O mercado imobiliário necessita de edifícios inteligentes, mas também ecoeficientes e confortáveis

17-09-2010 13:30

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Por Dilson Batista Ferreira

Muito se tem falado no mercado imobiliário, de edifícios ecológicos e inteligentes. No entanto, diferente do discurso ecológico, a prática revela outra realidade, traduzidas em edificações muitas vezes desconfortáveis. Observa-se uma certa exploração da questão ecológica, enquanto diferencial de mercado e não como essência e diretriz do projeto. Ao mesmo tempo, há uma utilização exacerbada dos termos “Conforto”, “Bem estar” e “Proteção à natureza” nos anúncios destes edifícios, utilizando a automatização como vetor de melhoria da qualidade de vida e da preservação ambiental, o que é um erro. Pois não devemos confundir comodidade e segurança com conforto, nem tampouco achar que apenas a tecnologia será a única solução para revertermos a atual crise ambiental. Pois paralela à automação, necessitamos da adoção de soluções criativas, renováveis, ecoeficientes e adaptadas ao clima e a cultura local nordestina.

Contemporaneamente, observa-se uma tendência a incorporação, através do mercado imobiliário, de tecnologias eletroeletrônicas aos edifícios, (sistemas de: dados e voz, detecção e alarme de incêndios, detecção de intrusão, gerenciamento de energia, de pânico, além de portas automáticas, TV digital, câmera interna e de vigilância, iluminação de emergência, sensores de presença para iluminação, no break entre outros), soluções mecânicas (elevadores e escadas rolantes de freqüência variável, sistema de vazão de ar variável para o ar condicionado, geradores, e etc...), e por fim, hidráulicas (arejados de vazão e válvula exclusora de ar da tubulação, medidores individuais de água, uso de torneiras mais econômicas, bacias sanitárias mais eficiente que necessitam de menos uso de água e etc). Junto com estes diferenciais tecnológicos, vende-se também a localização do imóvel (sua proximidade aos equipamentos urbanos e de lazer como escolas, supermercados, hospitais, shopping, praias e etc,), segurança, menor prazo de entrega e muita vezes o “discurso verde” de edificação ecológica e confortável.

Mas o que vem a ser o conforto? Palavra tão utilizada nos verbetes imobiliários. Na verdade, conforto é a garantia de saúde, bem estar e segurança física e psico-mental do ser humano. Construir com princípios ecológicos visando o conforto do homem em harmonia com a natureza foi algo que a humanidade sempre praticou, em diversas regiões do mundo. A arquitetura antiga esta aí para quem quiser observar estas belas soluções ecológicas. No entanto, as atuais edificações vêm deixando de serem construídas com a natureza para serem, por que não dizer, construídas contra ela. Este problema é creditado inicialmente ao modismo atual de uma arquitetura que tenta resolver os problemas de conforto tirando partido apenas da tecnologia, sem se preocupar com a identidade cultural e a necessidade de harmonização do edifício com o clima local. Tudo isto, torna as nossas edificações dependentes da disponibilidade energética fornecida pela rede pública, que em caso de corte de fornecimento ou apagão, como ocorreu em 2002, inviabilizará o adequado uso da edificação, devido ao alto nível de desconforto gerado em seu interior, por falta, principalmente, de planejamento ambiental da edificação ainda na fase de projeto.

Atualmente, o principal problema do consumo energético dos edifícios no Brasil, concentram-se ainda na fase de concepção dos projetos arquitetônicos e da desconsideração dos padrões de conforto (luminico, visual, acústico e térmico) e tipos de utilização dos ambientes construídos. A atual mentalidade projectual, baseada no contexto econômico-cultural, conservador e dominante, e na idéia de inesgotabilidade dos recursos naturais ou em uma falsa “ecologização” do projeto, vem produzindo uma visão compartimentada e energeticamente ineficiente, observada a partir de erros brutais de projeto. Fundamentos básicos como a iluminação, acústica, conforto térmico e ventilação natural, tidas como variáveis indispensáveis para o eficiente desempenho ambiental e energético do ambiente construído, estão sendo ignoradas, mesmo em regiões onde estes recursos naturais são abundantes, como é o caso de diversas regiões do Brasil. O problema é que estas gerações de arquitetos e projetistas acreditam estar dando uma eficaz e definitiva contribuição para preservação do meio ambiente, simplesmente por estarem otimizando o uso de energia elétrica através da tecnologia. No entanto, mais do que agregar novos usos e tecnologias inteligentes ao ambiente construído, devemos também, cada vez mais trocar o uso de sistemas mecânicos de conforto por sistemas passivos baseados no clima local. Para isto é necessário os arquitetos e engenheiros conhecerem e estudarem profundamente os tipos de climas ao qual projetam, assim como as noções de conforto e de gestão ambiental na construção, itens indispensáveis a qualquer edificação.

Deve-se exigir a racionalização e qualidade ambiental dos canteiros de obras, como já vem ocorrendo com algumas construtoras. Assim como, deve-se exigir dos arquitetos e construtores, projetos arquitetônicos que priorizem as potencialidades ambientais e culturais locais. Isto poderia ser conseguido regulamentando-se a sustentabilidade ambiental das construções, através de dispositivo normativo no Plano Diretor, priorizando o uso de ventilação e iluminação natural, assim como de racionalização, captação e reuso da água. Além disto, o nosso País já dispõe de boa legislação ambiental e urbana. Ou seja, dispõe de zoneamentos urbanos, estatuto da cidade, bons planos diretores, códigos ambientais e agendas 21 locais, que caso, fossem aplicadas rígida e corretamente poderiam trazer benéficos significativos ao meio ambiente e a qualidade de vida urbana do país. Principalmente, em climas tropicais, como o de nosso país, que apresentam grande potencial de desenvolvimento de estratégias bioclimáticas e sustentáveis para o ambiente construído. Estas estratégias associadas à pesquisa de novas tecnologias para captação de energia passiva para as edificações podem dar origem à revisão do tradicional regionalismo arquitetônico, visto agora sobre o enfoque da sustentabilidade e da identidade cultural autóctone.

Planejar ambientes construídos, levando em consideração fatores climáticos e ambientais locais, deixou de ser uma posição apenas ecológica, mas uma necessidade emergente atual. Aos arquitetos, engenheiros, projetistas e estudantes do Brasil, cabe a missão de incorporar e aplicar este novo conceito ecológico, tendo em vista que a moradia é um direito universal do homem, e que a indústria da construção civil atua em escala global nos mais diversos setores do processo de desenvolvimento de países ricos e pobres. Todos os esforços de preservar o planeta dependem de uma mudança de ordem econômica e cultural profunda. Faz-se necessário mudar hábitos, costumes e políticas ultrapassadas, demandando mudanças pessoais e coletivas. O grande problema é que nossas edificações são alicerçadas em uma ideologia individualista, elitista e irresponsável com o meio ambiente. Elite que não consegue relacionar os seus atos de consumo e os desperdícios de recursos com os problemas ambientais que os afetam.

Mais do que projetista o arquiteto é formador de opinião e de consciência, sendo ator fundamental dentro do processo de preservação dos recursos naturais. Avante em prol de uma arquitetura não só inteligente mais ecoeficiente e confortável. A arquitetura transcende o ato de projetar e construir. Neste sentido mais do que conhecer variáveis de ordem material ou arquitetônica, o arquiteto deve conhecer mais do que o clima, suas vantagens e desvantagens, deve conhecer sua cultura e a sociedade ao qual destinará a edificação.

Fonte:
ANAB-Brasil. - Associação Nacional Arquitetura Bioecológica.

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